29 de setembro de 2011

Com estas explicações deixo de receber lições do FMI

Pretendemos com este post informar e decalcar os nossos prezados leitores  excertos de uma entrevista que o Director do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional concedeu à revista Exame:


Na dita entrevista, António Borges refere que se Portugal quiser que o plano de austeridade funcione, terá que ver o seu PIB crescer... e para tal deverá apoiar-se nas exportações... e para tal deverá baixar a Taxa Social Única... e para tal terá que aumentar o IVA para compensar...


Para quem não teve o prazer de ler o nosso post de 26 Setembro, volto a recordar a fórmula do Produto Interno Bruto:
PIB = Consumo Privado + Investimento + Consumo Público + Exportações - Importações

Não é preciso ser um cientista para perceber que:

1. Quando o Estado português reduz despesa, reduz o Consumo Público (compras) 

2. Quando o Estado português aumenta impostos reduz o Consumo Privado (menor poder de compra)

Infelizmente não há volta a dar, e o sr. Borges quer-nos fazer acreditar que por via das exportações teremos que, não só compensar esta quebra do consumo como ainda superá-la para que o PIB cresça... e para que tal ocorra, sugere a redução da Taxa Social Única, mas como o Estado não tem dinheiro para acomodar essa redução na receita, terá que subir mais o IVA, reduzindo ainda mais a parcela do Consumo Privado. Salva-se a parcela das importações, que certamente irá cair e assim sempre ajuda alguma coisa.


Devem haver muitas consultas de Psiquiatria bem mais lúcidas do que este exercício de lógica económica.


Aqui no blog Contas Caseiras temos a perfeita noção que as medidas de austeridade trarão mais recessão, e isso é mau só por si, mas o equilíbrio entre receitas e despesas do Estado teria que ser inevitavelmente executado. O que não aceitamos é que quem prescreveu estas medidas - FMI e restantes da troika - venha agora dizer que sem crescimento o plano não funcionará. Se há coisa que o plano de austeridade irá provocar é falta de crescimento. Não é coerente!

Conspiro que o FMI já esteja a preparar terreno para se descartar de responsabilidades quando o plano falhar. Estão a aprender muito com o caso grego.

Ainda sobre a entrevista, o sr. Borges refere que Portugal deverá tomar medidas que o façam aproximar da Irlanda e distanciar da Grécia.
Da análise que fizemos aqui no Contas, as causas que nos levaram a pedir ajuda à troika aproximam-nos muito mais da Grécia do que da Irlanda.

Semelhanças entre Portugal e Grécia:

1. Défices públicos bem acima dos 3% durante a década 2000-2010;
2. Despesas correntes a serem financiadas com crédito vindo do exterior;
3. Crescimento da dívida pública acima dos 7-8% ao ano;
4. Desorçamentação maciça para esconder despesas e dívidas ao perímetro orçamental;
5. Carga Fiscal bastante elevada sobre transacções de bens (IVA) e lucros das empresas (IRC);
6. Sector empresarial pouco exportador, maioritariamente serviços e virado para o grande cliente Estado.


As razões do pedido de ajuda da Irlanda prendem-se muito mais com a dimensão do sector bancário doméstico e os investimentos ruinosos em que este apostou. A economia irlandesa não ficou imune a tal colapso, e o Estado, em desespero, assumiu no ano fiscal de 2010 os activos tóxicos dos bancos e os respectivos encargos de financiamento.

O Sr. Borges lança-nos o desafio, fica-lhe bem, mas o diagnóstico presumo que ele já o saiba de cor: as diferenças que nos separam da Irlanda são tão evidentes como as semelhanças que nos aproximam da Grécia. 

Tiago Mestre

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