28 de dezembro de 2011

BCE - Banco "mãos largas", mas com "bolsos vazios" (Parte 6)

Caros leitores e leitoras, assistimos no final da semana passada a um fenómeno curioso na esquisita relação relação entre BCE e os bancos privados.

Na semana passada o BCE emprestou a módica quantia de 490 mil milhões de euros a 523 bancos a uma taxa de juro de 1% com maturidade a 3 anos. Este programa de financiamento, denominado LTRO (Long Term Refination Operation) teve grande adesão por parte dos bancos já que a maturidade passou de 1 ano para 3 anos, tornando o produto financeiro muito mais apelativo.

Para os bancos se "candidatarem" a este financiamento precisavam de mostrar ao BCE que possuíam no seu portfolio obrigações soberanas de países aflitos, tal como a Itália e a Espanha. Com esta restrição os bancos são obrigados a possuir obrigações soberanas para obterem o dinheiro, e é isso que o BCE pretende, que estes não as vendam ao desbarato mas que as mantenham no seu portfolio.

Adicionalmente, o BCE quer que o dinheiro emprestado seja aplicado pelos bancos em mais obrigações soberanas, ajudando assim a baixar as taxas de juro insustentáveis com que se depara a Itália, sobretudo. Infelizmente apenas conseguiram baixar as taxas de juro das obrigações até 3 anos (claro, é a maturidade do empréstimo que o BCE concedeu), tendo as obrigações com maior maturidade (5 e 10 anos) sofrido pouca alteração, ou seja, a dívida da Itália a 10 anos mantêm-se bem acima dos 6%.

Paralelamente, o BCE não quer aumentar a circulação de moeda euro, com receio de inflação, e arranjou outro mecanismo para evitar tal cenário: propõe de tempos a tempos uma taxa de juro de 0,25% a quem deposite dinheiro no próprio BCE. Desta forma tenta neutralizar o excesso de dinheiro que colocou no mercado na semana anterior.

Tal operação foi realizada após a execução do LTRO e parece que quase todo o dinheiro que os bancos pediram anteriormente foi novamente depositado no BCE, mas a uma taxa de juro 75 pontos percentuais mais baixa (pediram o dinheiro a 1% e depositaram dias depois a 0,25%)

Pergunta: E porque é que os bancos fizeram tal coisa, sendo que estão a perder dinheiro com esta operação?

Resposta: Suspeitamos que o fizeram porque preferem financiar-se já a 1% junto do BCE e parquear o dinheiro novamente no BCE, para que quando precisem dele o utilizem onde bem lhes convier. Pelos vistos, não lhes convêm aplicá-lo nem obrigações soberanas nem... em nada. Está tudo a ver como correm as coisas. Aliás, preferem perder dinheiro do que arriscar a investir em alguma coisa, e obrigações soberanas não é certamente um "activo" desejável neste momento.

No fundo o BCE queria o melhor dos dois mundos:
- Imprimir dinheiro emprestando-o aos bancos sem criar inflação;
- "Guiar" os bancos para que invistam em obrigações soberanas e na economia europeia.

Meus senhores, não nos parece que tal quimera seja possível, e por muito que Draghi e Constâncio queiram que o céu seja o limite, há outros limites bem mais terrenos, como por exemplo a confiança entre indivíduos. Não havendo confiança, dificilmente conseguimos levar os outros para onde nós queremos.

Estas operações de financiamento e de depósito são esquemas, aldrabices financeiras, que tentam levar a manada para onde se quer. Mas a manada (o mercado) tem muita força, e se quiser mudar de direcção nada a impedirá.

Poderá dar-se o caso no futuro de os banqueiros não quererem nem depositar no BCE nem investir em obrigações, e investir em petróleo ou em metais, e aí sim, temos o cenário montado para que a inflação chegue em força à população. É com estes mecanismos aldrabados que lentamente se vai montando o cenário da inflação, a pouco e pouco. Neste momento o BCE já cedeu parte do seu poder a terceiros no controlo da inflação, ou seja, já cedeu uma parte do poder às decisões discricionárias de centenas de banqueiros espalhados pela Europa e pelo mundo, que apenas decidem em função dos seus interesses, e que por acaso tem coincidido com os interesses do BCE em evitar a escalada da inflação. Quando os interesses não coincidirem, "apertem o sinto de segurança".

Tiago Mestre

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