5 de janeiro de 2012

O Euro faz 10 anos - será motivo para celebrar?

Caros leitores e leitoras, como ouvi esta semana alguém a propósito do Orçamento da Região da Madeira:
” O caminho para o inferno está cheio de boas intenções”.
É esta a sensação que fica de tudo quanto foi feito nos últimos 20 anos para que a moeda única visse a luz do dia e prosperasse.
No Tratado de Maastricht em 1992 ficou definido que os países deveriam manter défices baixo e dívidas geríveis. A Grécia, não conseguindo atingir tais critérios, cozinhou as contas e lá conseguiu aderir ao Euro meses depois.
Foi a primeira facada na credibilidade do Euro. Sabemos hoje que a sua adesão deveu-se a pressões políticas, indo ao arrepio das regras e da boa gestão.
Durante a vigência do Euro quase todos os países prevaricaram no cumprimento das regas. Alemanha e França incluídos.
Portugal poucas vezes conseguiu cumprir e só não foi pior porque arranjou mecanismos contabilísticos que permitiram que muita dívida fosse escondida ou evitada:
1. Exclusão das dívidas da CP, Carris, Metro, Refer e EP na dívida pública;
2. Privatização de empresas públicas;
3. Transição de fundos de pensões privados para a esfera pública.
Estes mecanismos foram autorizados pela UE, e se aconteceram em Portugal, noutros países não terá sido diferente.
A Grande Aldrabice Europeia só foi possível porque a elite política o consentiu. Cedeu às circunstâncias e pressões diárias em detrimento das regras e da moral que tinham sido ratificadas nos Tratados pelos mesmos políticos !!
No meio de tudo isto, o Euro lá ia fazendo a sua vidinha. Umas facadas aqui e acolá mas sem grandes danos. Desde que as economias continuassem a crescer, a acumulação de dívida e os défices sucessivos eram vistos pela finança mundial como algo negligenciável. E se os investidores assim o achavam, os políticos podiam continuar a fechar os olhos às barbaridades diárias que cometiam, prometendo dinheiro e políticas sociais que não eram financiáveis com o dinheiro dos contribuintes.
Mas algo aconteceu em 2007 que deixou a elite europeia sem saber o que fazer:
Os EUA davam sinais de fadiga no mercado imobiliário, altamente alavancado durante anos pelas políticas monetárias expansionistas da Reserva Federal. Em paralelo, os preços de matérias primas e energia subiam para valores recorde, indiciando problemas nas economias mais dependentes destes bens. O sonho durou até ao Verão de 2008. Em Outubro de 2008 o planeta acorda e depara-se com uma realidade que mais parecia um pesadelo:
1. Sistema bancário totalmente alavancado em empréstimos e sem capitais próprios;
2. Incumprimento por parte de muitos americanos nos empréstimos contraídos às instituições bancárias;
3. Falência generalizada de instituições bancárias norte-americanas;
4. Economias ocidentais sem força industrial para compensar as perdas massivas no sector bancário e imobiliário.
Quando a elite europeia acorda para esta nova realidade, só já lhe resta tomar medidas que salvem o dia seguinte, esquecendo a legalidade, os princípios e os tratados firmados. Até hoje tem sido SEMPRE assim.
A primeira política da UE sobre este problema sai em finais de 2008 e inícios de 2009: Países e governos, endividem-se o mais que puderem para evitar recessões mais pronunciadas. Esqueçam (ainda mais) as regras e os princípios que assinaram nos tratados
Em menos de 12 meses perceberam que a política de endividamento para evitar recessões mais pronunciadas teve uma consequência catastrófica: Os investidores deixaram de confiar o seu dinheiro a países mais “fracos” dentro da UE, logo no momento em que estes países mais precisavam de dinheiro emprestado.
Sem alternativa, a UE vira-se para dentro: Pedir dinheiro emprestado aos restantes países da UE para “ajudar” os países mais “fracos”. Mas como estes países “mais fortes” também são pobres e não têm dinheiro de lado para emprestar, tiveram que pedir dinheiro aos mercados. Os investidores perceberam a aldrabice e começaram a desconfiar dos países que estavam logo a seguir aos mais “fracos”. Num ano, entre Maio 2010 e Maio 2011, cai a Grécia, Irlanda e Portugal. Entre Junho e Dezembro 2011 cai Itália e Espanha. Afinal já não sobram países suficientemente “fortes” para acudir a tal hecatombe.
Ninguém no planeta quer emprestar dinheiro à Europa para financiar os países tecnicamente insolventes. Como ainda não se descobriu vida em Marte, em jeito de desespero a elite europeia pediu ajuda à Reserva Federal Norte-Americana e ao Banco Central Europeu para financiarem todo o dinheiro que for preciso, quer para emprestar a bancos quer para a compra de dívida soberana.
A Reserva Federal facilitou o crédito em dólares a instituições bancárias europeias, mas rapidamente a elite política americana percebeu que a Reserva Federal estava a resgatar a Europa, novamente! A pressão política republicana nos EUA não permitirá mais cheques em branco à Europa.
Resta o Banco Central Europeu, que estando impedido de adquirir dívida soberana directamente aos países do euro, tem-na comprado pela porta dos fundos (mercado secundário) à vista de toda a gente. A hipocrisia e o descaramento têm sido a filosofia dominante, mas mesmo assim não é suficiente, é preciso que os credores entrem com muita, muita massa. Mas os credores disponíveis já não têm tanto dinheiro como outrora e não o querem emprestar a gente que não é de confiança. A memória do colapso imobiliário norte-americano ainda é recente e fez com que muita gente pelo planeta perdesse muito dinheiro. Na Noruega casos houve em que localidades faliram!! porque foram grandes credoras do sub-prime americano. Hoje só se empresta a quem garanta a devolução do dinheiro a tempo e horas e com os juros acordados. E nunca deveria ter sido de outra forma!
O BCE não possui dinheiro, apenas possui o poder de imprimir dinheiro, mais nada. E quando imprime dinheiro para liquidar dívidas, acaba por injectar dinheiro numa economia que está em contracção (menos transacções económicas). O resultado é dinheiro a mais a circular na economia, criando as condições para que o preço dos bens suba, resultando na inflação e na descredibilização da moeda. Esta é a aposta última da Europa. Coloca a credibilidade do Euro em jogo para liquidar umas dívidas e “rezar” para que os credores voltem a acreditar nas instituições europeias.
Na minha opinião a aposta é suicida porque reflecte uma ideologia política que se iniciou há muitos anos e que mostrou sempre resultados opostos ao que se pretendia. A única diferença das políticas anteriores para esta é a escala da aposta. Quando se pede ao BCE para imprimir dinheiro aposta-se tudo… o que se tem e o que não se tem. Nenhum político deveria possuir tal poder para influenciar os destinos de tantos milhões de europeus, sobretudo quando algumas das elites nem são eleitas pelo povo.
Para garantir a credibilidade do Euro seria necessário aos políticos reconhecerem o seguinte:
1. Países tecnicamente insolventes deviam declarar insolvência, total ou parcial;
2. Sistema bancário assente em alavancagem entrará em insolvência imediatamente, e seria preciso deixá-lo cair;
3. Países sem capacidade de financiar o seu sector público teriam que cortar imediatamente esse défice, apoiando as despesas apenas em função das receitas. Tal operação trará recessões profundas, mas inevitáveis;
4. Resistir a todo o custo à tentação na impressão de dinheiro, custe o que custar. A Europa conseguiria reerguer-se dentro de alguns anos porque ainda possui países bastante industrializados e medianamente disciplinados. A agricultura deveria ser imediatamente liberalizada e entregue às forças do mercado, permitindo a Portugal e a outros países mais fragilizados evitar importações e garantir maior grau de subsistência, criando novamente as bases para um crescimento no sector primário e por arrasto refundar a pequena indústria de apoio à agricultura.
Infelizmente não temos casos suficientes na história europeia recente que corroborem esta filosofia económica, política e social de vivermos dentro dos nossos meios e de trabalhar para ganhar a subsistência. Não nos devemos esquecer que a Europa assistiu a uma prosperidade espectacular após a segunda guerra mundial. Os políticos caíram na armadilha de prometer dinheiro a tudo e a todos julgando que essa prosperidade seria perpétua. Inclusivamente montaram um sistema político que se alimenta desta prosperidade. Quando esta desaparece começa a pilhagem pela porta dos fundos para manterem a face diante das câmaras de televisão acerca do que prometeram irresponsavelmente no passado. Enquanto puderem roubar dissimuladamente para manter a face, é isso que farão. Aumentar impostos, endividamento sem regra, encobrir despesas, imprimir dinheiro, são tudo políticas que reflectem a mesma ideologia de fraqueza moral somada a uma profunda incompetência técnica. Veremos até quando os europeus aguentam esta aldrabice.
É sempre mais fácil prometer coisas boas do que anunciar coisas más.
É preferível salvar o dia de hoje adiando as decisões difíceis para algures no futuro. Termo cunhado em inglês como “kick the can down the road”.
É mais fácil esconder e dissimular do que dizer a verdade de frente.
A natureza humana é muito mais assim do que outra coisa qualquer, e a classe política não é nem melhor nem pior.

Sem comentários: