10 de abril de 2012

Queríamos compreender o FMI, mas não está fácil !

Tivemos a oportunidade de ler no jornal i de ontem um artigo sobre as considerações do FMI decorrentes da 3ª avaliação da troika ao programa de assistência português.

Resumidamente, o FMI pede ao governo português que adopte medidas que estimulem a economia portuguesa. E mais, sem essas ações, Portugal arrisca-se a não conseguir corrigir a queda do PIB destes últimos anos.
O abaixamento da taxa social única (TSU) seria uma das medidas a considerar como essenciais ao tão desejado estímulo.

Nem sabemos bem por onde começar:

1. O FMI, constituído por "carradas" de economistas, continua a sugerir que o Estado é um ator essencial no estímulo às economias privadas. Não é, mas até pode ajudar no processo de recuperação da economia quando um país cai em recessão, mas não passa disso, uma espécie de catalisador que acelera a recuperação. Cabe sempre à economia privada puxar pelo país porque é quem produz alguma coisa.

Pressupor que tem que ser o Estado a salvar a economia é abusar das teorias keynesianas e um insulto para o próprio Keynes, que deve andar a rebolar na campa com tanto abuso e distorção das suas teorias.


2. A redução da TSU terá sempre que ser acompanhada de uma de duas medidas: ou se reduz despesa ou se aumentam outros impostos que não a TSU. Até nesta constatação José Sócrates foi basilar há 1 ano: "tem que se ver se é possível acomodar essa redução de receita, e só depois se decidir". O FMI se quer a redução da TSU de 23,75% para outro valor qualquer tem que indicar como se compensa a diferença. Só desejar não chega.


3. O FMI quis acreditar em 2011 que a austeridade e o crescimento económico poderiam andar de mãos dadas em Portugal. Desconhecemos as variáveis económicas utilizadas nessa conceptualização, mas tanto quanto sabemos e sabíamos na altura, o PIB de Portugal é constituído por 5 variáveis:

PIB = consumo público + consumo privado + investimento privado + exportações - importações

O consumo público (Estado) significa hoje metade do PIB. Se mexemos no consumo público, mexemos no PIB, não há volta a dar.
A austeridade que foi implementada actuaria inevitavelmente no consumo público e no privado. Por arrasto o investimento também se retraiu por falta de confiança dos investidores em Portugal. Salvaram-se as exportações e reduziram-se as importações, e foram apenas estas 2 rúbricas que ajudaram o PIB.

Como poderia o FMI esperar que o PIB pouco se ressentisse quando exigiu ao Estado que reduzisse o défice de 10% do PIB para 2 ou 3% do PIB em 3 anos?
É que uma redução destas significa um corte na despesa pública (partindo do pressuposto de que o ajustamento será 1/3 de impostos e 2/3 na despesa) sempre superior a 8, 10 mil milhões de euros. Este é um valor que, grosseiramente, se deve descontar ao PIB português, que só por isto baixa de 170 para 160 mil milhões.
E com o PIB a baixar, o rácio do Défice público = (receitas - despesas)/ PIB também se agrava, na medida em que o PIB se apresenta no denominador.

Grosseiramente, o PIB de Portugal é constituído por 75% de serviços, 23% de indústria e 2% de agricultura. Ou seja, quase todos nós trabalhamos, directa ou indirectamente, para o Estado. É ele o grande cliente de Portugal, e se espirra, a economia apanha uma constipação, senão mesmo uma pneumonia.

Como foi possível escaparem ao FMI evidências destas? Fica a nossa incredulidade!

Para quem só recentemente nos acompanha, escrevemos exaustivamente sobre esta matéria em Julho e Outubro 2011 com os posts 1, 2 e 3 intitulados: "A Matemática costuma ganhar, às vezes tarde demais!"

Tiago Mestre

3 comentários:

André disse...

Não precebo isto:

"Pressupor que tem que ser o Estado a salvar a economia é abusar das teorias keynesianas e um insulto para o próprio Keynes, que deve andar a rebolar na campa com tanto abuso e distorção das suas teorias."

E depois dizer isto:

"3. O FMI quis acreditar em 2011 que a austeridade e o crescimento económico poderiam andar de mãos dadas em Portugal. Desconhecemos as variáveis económicas utilizadas nessa conceptualização, mas tanto quanto sabemos e sabíamos na altura, o PIB de Portugal é constituído por 5 variáveis:

PIB = consumo público + consumo privado + investimento privado + exportações - importações

O consumo público (Estado) significa hoje metade do PIB. Se mexemos no consumo público, mexemos no PIB, não há volta a dar.
A austeridade que foi implementada actuaria inevitavelmente no consumo público e no privado. Por arrasto o investimento também se retraiu por falta de confiança dos investidores em Portugal. Salvaram-se as exportações e reduziram-se as importações, e foram apenas estas 2 rúbricas que ajudaram o PIB.

Como poderia o FMI esperar que o PIB pouco se ressentisse quando exigiu ao Estado que reduzisse o défice de 10% do PIB para 2 ou 3% do PIB em 3 anos?
É que uma redução destas significa um corte na despesa pública (partindo do pressuposto de que o ajustamento será 1/3 de impostos e 2/3 na despesa) sempre superior a 8, 10 mil milhões de euros. Este é um valor que, grosseiramente, se deve descontar ao PIB português, que só por isto baixa de 170 para 160 mil milhões.
E com o PIB a baixar, o rácio do Défice público = (receitas - despesas)/ PIB também se agrava, na medida em que o PIB se apresenta no denominador."

É mais que óbvio que o Estado tem que reduzir a despesa pública, ela é ineficiente e prejudicial ao país. O facto da austeridade causar recessão é mais que normal visto que austeridade sgnifica ao mesmo tempo MENOS a despesa pública e MAIS impostos. A recessão só pode ser atenuada se nos concentrarmos unicamente na redução da despesa pública.

É certo que a curto prazo uma redução de 1% da despesa pública provoca mais recessão que um aumento de 1% da carga fiscal, mas a médio e longo prazo a redução da despesa pública permitirá mais crescimento. Permitirá cada vez mais crescimento porque com a sua redução poderemos baixar a prazo os impostos > a redução da TSU é assim essencial e a sua compensação para as finanças públicas deverá ser feita sempre atráves da redução da despesa pública.

Para o programa de ajustamento ser um sucesso, o Estado tem de reduzir drasticamente a despesa pública para permitir que se reduza o mais depressa possível os impostos. No entanto se o ritmo de correcção pelo lado da despesa não for suficientemente intenso para garantir que as metas do défice sejam atingidas (porque mesmo assim temos objectivos para cumprir se queremos nos credibilizar), temos de negociar com o triunvirato para metas menos ambiciosas, que pemitem por exemplo reduzir imediatamente os impostos, em troca de cortes mais profundos na despesa nos anos seguintes > exemplo se em Julho nós aprecebermos que é acabaremos o ano com um défice de 5% devido à redução do PIB, e que é impossível de consolidar as contas a tempo só com o recurso à diminuição da despesa, então vale melhor pedir um défice em 5,5% que inclue uma diminuição da carga fiscal, e reduzir a despesa ainda mais fortemente para o ano.

Os défices não interessam, o que interessa é a despesa pública.

Tiago Mestre disse...

André, para perceberes a nossa ideologia aqui no Contas:

1. Qualquer governo deve ser pequeno, com despesa não acima dos 30 a 35% do PIB do país.
2. As despesas não devem exceder as receitas, ou seja, déficits zero.
3. Impostos mínimos, ou seja, que não excedam os 30 a 35% do PIB
4. Endividamento só para investimento, e não para pagar salários e despesas correntes

O que temos em Portugal é muito diferente do que defendemos, e portanto é com isto que temos que trabalhar. O FMI ficou a conhecer a realidade portuguesa há 1 ano, e daí a nossa incredulidade nestas conclusões tardias de que sem estímulos estatais o crescimento não volta. É claro que não volta, nem pode voltar porque estamos em período de dieta, com ou sem estímulos estatais. Baixar a TSU seria interessante para se ganhar alguma competitividade, só falta é dizer onde se vai compensar a diferença. O FMI não pode mandar umas atoardas cá prá fora e sacudir a água do capote.

Quando o FMI pede ao Estado para estimular a economia, nem que seja com a redução da TSU, fica subjacente a ideia de que é o Estado o responsável na resolução do problema económico, à moda keynesiana.
O Estado tem é que deixar de ESTORVAR, reduzindo despesa, impostos e meter-se no seu canto, deixando a economia funcionar.

É preciso extirpar as más rúbricas do PIB, ou seja, aquelas que se baseiam em endividamento e pouca ou nenhuma produção, como é o caso do consumo público.

Mas reduzir despesa pública em 15 ou 20 mil milhões significa despedir pessoas, extinguir serviços, universidades, hospitais e cortar reformas e subsídios para valores que envergonham os cortes atuais. Ir apenas às "gorduras" não chega, apesar de que essa deva ser a primeira prioridade.
E coragem para fazer isto? Desde logo é preciso mudar a constituição para se conseguir fazer alguma coisa, haverá consenso político para isso?

Espero ter ajudado na clarificação e obrigado pelo teu comentário. Tiago

Filipe Silva disse...

Boa Noite Tiago.

O teu comentário é muito pertinente, existe austeridade boa e austeridade má.
A que o governo está a fazer é da "bad kind", aumentar impostos, cortar reformas, etc...

A realidade é de que é necessário encerrar serviços, tais como hospitais, tribunais, escolas, etc..., mas os políticos não me parecem ter capacidade para tal, dado que isso vai contra o seu ADN.
Se analisarmos um pouco os comentadores e opinion makers em Portugal rapidamente percebemos que o espaço de manobra para o governo fazer estes cortes é muito reduzido, a maioria, para não dizer a quase totalidade, é socialista e defendem que o Estado deve intervir mais na economia.
A população portuguesa, é dependente do Estado vai para mais de 80anos, antes era o Estado novo, substituído pelo Estado Social saído do 25 abril, sempre que existe algum problema numa empresa, infortunio pessoal, as pessoas gritam pelo Estado (por exemplo Caso da Valadares), romper com esta situação é extremamente complicado num contexto como este, mas é possível, a capacidade de resolver "em cima do joelho" é uma característica que temos, que nesta circunstância pode ser utilizada a nosso favor.


Portugal está a colocar se numa situação muito mas muito perigosa, existe a real possibilidade de o Dólar colapsar num futuro próximo, se isto ocorrer Portugal sofrerá uma grande catástrofe, dado que não temos capacidade instalada para produzir comida para alimentar a população numa situação de colapso (nem que seja momentâneo) do comercio internacional. Não defendo a Saída do Euro por nossa iniciativa devido a este facto, não produzimos comida, e não temos combustíveis fosseis, o ajustamento seria terrível, levaria seguramente há morte de milhares senão milhões de portugueses (temos uma população muito envelhecida), as actuais gerações (onde me incluo) não tem noção do que é a miséria (muitos idosos das aldeias, sabem o que isto é, porque o viveram) o impacto psicológico seria tremendo...