27 de setembro de 2012

Défice público vs défice comercial. Qual é pior?

Caros leitores e leitoras, remeto abaixo a pergunta que o Miguel me fez por email e a minha resposta:

Relativamente à questão que me preocupa e que tenho dúvidas, dado que economia não é a minha área, relaciona-se com a questão da quebra de receitas dos impostos sobre o consumo. A esquerda apregoa sem cessar que é um descalabro. Tenho lido muitos artigos a dizer evidentemente que a culpa é da austeridade, etc... No entanto, já li e chego a concordar, por analogia ao caso irlandês que mais importante que o deficit do estado é a balança comercial. Ou seja, um estado com superavit mas num pais com uma balança comercial desfavorável 5% é pior que o inverso. Sei que poderá não ser fácil e direto interpretar estes estados (quiçá teórico no primeiro caso) e compará-los mas considero, que a primeira vitória no plano macro económico, foi ganha. Será esta uma vitória estratégica ou não tem qualquer interesse face às batalhas que ainda têm que ser travadas?


Colocas uma questão muito interessante, mas não interpreto o problema recorrendo a esta dualidade defice público vs défice comercial.

Penso que são até duas faces da mesma moeda, e porquê?

Sempre que temos um défice, isso significa que o nosso saldo é negativo, ou seja, compramos mais do que vendemos.

Se com o exterior temos um défice, isso significa que compramos mais do que vendemos.
Se o estado tem um défice, isso significa que compra mais do que arrecada em impostos.

E como é possível alimentar défices?
Ou recorrendo ao endividamento ou à impressão de dinheiro. Não me estou a lembrar de mais nenhuma.

O Estado comprou mais do que arrecadou?  Teve que se endividar na diferença.
Portugal comprou mais do que vendeu?        Teve que se endividar na diferença.

E como foi possível endividarmo-nos? Porque houve alguém disposto a emprestar sem acautelar as premissas fundamentais de uma economia saudável e próspera.

Numa economia como a nossa em que produzimos pouco (30% do PIB), sempre que o Estado reduz despesa, as importações baixam por tabela, já que muitas das compras do Estado são de bens que não são fabricados em Portugal.

E sempre que a população perde poder de compra, ou através do abaixamento dos salários, ou pela contração na concessão de crédito, ou por medo, as importações também caiem, já que também a população compra muitos bens que não são produzidos em Portugal (carros, mobiliário, máquinas, etc, etc).

Na minha análise, foi o crédito concedido a Portugal nos últimos 15 anos que nos fez manter um poder de compra totalmente virtual, e com isso comprámos muito mais do que conseguiríamos produzir alguma vez na vida.

Escreves: "um estado com superavit mas num pais com uma balança comercial desfavorável 5% é pior que o inverso"

No Japão a balança comercial era credora até há uns meses e o Estado é e continuará a ser profundamente deficitário. Emite obrigações soberanas semanalmente com a esperança de que os japoneses as comprem com o excesso de divisas que acumulam por serem muito industriais e exportadores. Mas um dia chega a notícia de que a exportação não compensa a importação, e o défice comercial entra em ação. Terá o Estado tempo para corrigir a sua trajetória deficitária e tornar-se superavitário para compensar a inversão na balança? Não creio, porque baixar despesa e/ou aumentar impostos é coisa lenta de se fazer. É o que se está agora a passar no Japão. De toda a despesa do Estado japonês, metade vem de receitas e outra metade vem de dívida. Surreal, e totalmente insustentável

A minha sugestão é esta:
O Estado é uma entidade que, como em qualquer organização, deve apresentar saldos positivos ou ligeiramente superiores a zero -  Défize ZERO.

E Portugal, tanto quanto possível, só deve poder comprar na quantidade daquilo que consegue vender. Se exporta 55 mil milhões, só pode importar 55 mil milhões. E como? Restringir o crédito para funções e tarefas não produtivas.

Só as empresas de carácter reprodutivo, como as indústrias, é que têm a capacidade de replicar o financiamento obtido, ou seja, compram a máquina a crédito, ela produz peças, vendem-se as peças, dando para pagar a máquina, os juros do crédito, o operador, a renda do armazém e ainda sobra algum lucro.

Esta sugestão que dou é, para o bem ou para o mal, uma completa regressão nos padrões de vida da população.
Este desalavancamento eclipsará milhares de milhões de euros dos bolsos dos portugueses todos os anos. No fundo é isso que já está a acontecer.
Estamos a corrigir, a ressacar da bebedeira, e claro, ninguém quer ficar na fila da frente.
Algum dia teríamos que começar a pedir menos crédito do que em relação ao dia anterior, mas face aos valores monstruosos de juros e de capital que JÁ temos para pagar, reduzir o crédito é perder tanto, mas tanto poder de compra, que ninguém se conforma e o pessoal sai à rua.

Imagina que vivias com um poder de compra de 2000€ por ano.
Mas 1/4 desse valor era por concessão de crédito: 500€
Todos os anos tinhas que pagar 5% em juro, ou seja, 25€ no primeiro ano

2º ano
dívida: 1000€
juro a pagar: 50€

3º ano
dívida: 1500€
juro a pagar: 75€

4º ano
dívida 2000€
juro a pagar: 100€

5º ano
dívida 2500€
juro a pagar:  125€

6º ano
dívida 3000€
juro a pagar: 150€

12º ano
dívida: 6000€
juro a pagar: 300€

No 12º ano já tens que guardar quase 1/6 do teu rendimento só para juros. E nunca pagaste o capital, já que foste sempre pedindo mais crédito, empilhando dívida em cima de dívida sem nunca a reduzir ou atenuar o seu crescimento.

No 13º ano o teu credor diz-te o seguinte:
Olha Miguel, lamento mas não vou poder financiar-te mais. Tens que me pagar a dívida e os juros sem eu poder ajudar-te com mais crédito.
A partir desse dia, o teu poder de compra cai logo de 2000 para 1500. Soma o juro de 300 e reduz para 1200, e pressupondo que tens que pagar a dívida em 6 anos, isso significa que terás que libertar mais 1000€ todos os anos para amortizar o capital, reduzindo o teu poder de compra de 1200 para 200€ !!!
Ou seja, passar de 1700€ de rendimento líquido (retirando os juros) para 200€ é perder mais de 1/6 do teu poder de compra.
Game Over

Quanto maior é a subida na dívida, maior é a queda na ressaca.

Qualquer deficit fora de controlo é um monstrinho à espera de ser descoberto. Se for tarde demais, o monstro já não consegue sair da sala. Sufocas lá dentro com ele.

Tiago Mestre

5 comentários:

Vivendi disse...

O único dado positivo é a balança comercial. Já se sabe que colocou a economia em jeito zombie mas era imperativo.

Quanto ao défice se conseguirmos agora trazer para o nível de 2006 Portugal conseguirá ter uma luz ao fundo do túnel.

Tiago, consegues saber qual a diferença de números entre o orçamento de 2006 e o de 2012?

http://vivendi-pt.blogspot.com/2012/09/basta-trazer-despesa-para-o-nivel-de.html

Se o governo e sociedade acordarem uma meta será mais fácil cumprir o objetivo.

Pedro Miguel disse...

Despesa em 2006 - 45,2 mil milhões
A despesa em 2012 penso que seja de perto de 48 mil milhões


http://www.gpeari.min-financas.pt/analise-economica/estatisticas/estatisticas-das-financas-publicas/Financas-Publicas-Public-Finances-Portugal.pdf-1

Tiago Mestre disse...

Arranjo o do eurostat a partir de 2007. E acho que já desconta a inflação.
vou por um post sobre isso então.

Pedro, 45,2 mil milhões deve ser a despesa do Estado e administrações públicas. Fica a faltar a SS que é mais outro tanto

Pedro Miguel disse...

Tiago, realmente os valores acima estão errados, não sei se seriam em % do PIB ou de outras áreas, mas não vou procurar agora.
(é o que dá escrever durante a noite)

Tendo em conta os dados apresentados por ti, podes ver o pdf que coloquei o link, tem lá a despesa de 2006.
Acredito que o que procuras está na página 4.

2006 - 72,701
2007 - 75,006
2008 - 76,933
2009 - 83,810
2010 - 88,456
2011 - 83,632

Estes números dizem pouco, porque são muito brutos.

Também podes encontrar a despesa que o governo disse ter reduzido (despesa total primária = Total de despesas - Juros)

2006 - 68,246
2007 - 70,029
2008 - 71,744
2009 - 79,035
2010 - 83,520
2011 - 77,010



Tiago Mestre disse...

Pedro, o documento é bom.
obrigado