4 de outubro de 2012

a entaladela nos empreendedores (Parte 2)

em resposta ao comentário do Manuel Galvão

É já um clássico afirmarmos que os empresários, sobretudo do pequeno negócio, não se contentam com menos de um Mercedes ou um BMW, mesmo com negócios ordinários e pouco lucrativos, E É MESMO VERDADE.
Mas é exatamente por ser verdade que a taxação não pode ser elevada, sob pena de induzir no empresário comportamentos ainda mais "libidinosos"..

Exemplo clássico:
Empresa dá lucro ao final do ano de 35 000 euros.
IRC a pagar em 31 de Maio do ano seguinte: 25% x 35000 = 8750€. Não pode ser negociado em prestações. Paga-se de uma só vez.
Problema:
Como as empresas costumam ter tesourarias muito apertadas (clientes atrasam-se a pagar, adianta-se o IVA ao Estado em muitos casos, muitos créditos, etc), é frequente recorrer a endividamento para pagar estes valores "enormes" na tesouraria do horrível mês de Maio. As contas caucionadas são o instrumento financeiro mais utilizado para "resolver" esta questão, mas com um preço elevado a pagar (o negócio das cc fica para outro post se quiserem)
Fica-se com a sensação de que é preciso fazer um grande esforço para pagar este valor ao Estado, sem haver qualquer contrapartida, ou seja, é riqueza que desaparece da empresa.
Por ser um imposto tão mal interpretado, toda a gente foge, havendo apenas uma parte das empresas (julgo ser 1/3) que pagam IRC.

E como é que se foge legalmente ao IRC?
Chegamos a Dezembro e já alguns empresários sabem o resultado do ano (no meu caso, em Agosto já sei como acabará o meu ano, desde que não haja epifenómenos)
Sabendo que há lucro, decido efetuar despesa recorrendo a crédito:
Compro um carro por 80 000 € (um BMW serie 5 bem vitaminado, por exemplo) com prestações suaves de 800€ mensais, que seja.
A desvalorização contabilística do carro julgo ser de 25% no primeiro ano (não sei de cor). Assim sendo, posso inscrever 20 000€ de despesa nesse ano, reduzindo o lucro de 35 000 para 15 000€.
Só já pagarei de IRC 25% de 15 000 = 3750€

Mas como ainda é muito dinheiro, posso sempre dirigir-me à Fnac e adquirir 3 Iphones: 1 pra mim, outro prá filha e ainda outro prá esposa. Compro um computador mais robusto pra mim e outro prá filha que também já está a precisar. Gastei 5 000€ e vou pagar em 48 suaves prestações. Conta tudo para despesa na empresa. De 15 000 de lucro já desci para 10 000.
Como a miúda já fez 18 anos e vai para a faculdade, compro-lhe um carrinho comercial por 10 000€, sendo que o IVA dessa compra é devolvido pelo estado e 25% do valor do veículo é abatido à despesa. De 10 000 o lucro desce para 7 500, ficando um IRC para pagar de 1875€. Ok, paramos por aqui, só para dizer que tive lucro e assim não tenho as Finanças atrás de mim, que é o que pode acontecer a quem reporta prejuízos todo o santo ano e continua de porta aberta.

Fiquei a pagar em suaves prestações mensais (800 + 150 + 200) = 1150 € por mês durante 4 ou 5 anos, mas fico a usufruir de um carrão, telemóveis de topo, computadores, e acima de tudo, a minha filha está feliz e motivada por ir para a faculdade.

E se houver novamente lucro no ano seguinte, terei que pensar noutras despesas (barco, moto4, apartamento prá miúda, prá amante) Num mundo de consumo imediato, o céu é o limite.

É também por isto que advogo impostos baixos, que não se estiquem acima dos 30% do PIB, para que o indivíduo possa decidir com maior liberdade o que é melhor para si e sem constrangimentos do lado fiscal.

Ponham-se no lugar do empresário José Manel  Bigodes que tem esta empresa, e tentem decidir por ele. O que fariam?
E ainda há as opções ilegais, como faturas falsas, transações em numerário, etc, etc

Posso-vos dizer que na minha empresa tenho muito mais lucro por ano do que o exemplo que aqui vos falei. Conduzo um Ford Fiesta de 2009, o meu sócio um seat de 2006 (já pago) e todo o lucro da empresa reverte para a empresa, ou seja, declaramos TUDO. Em consciência não nos sentimos bem em comprar, comprar, comprar e depauperar a empresa a pouco e pouco com créditos que nunca mais acabam. Não queremos dívida só para dizer que ostentamos tudo do bom e do melhor.
Mas mesmo que queiramos retirar algum dinheiro da empresa para compor o magro salário a que nos auto-restringimos, teremos que pagar a taxa liberatória de 28%, o que também nos deixa entalados. Imaginem tirar 3000€: tenho que entregar em IRS quase 900€. Fica 2100 para mim. É outra extorsão, que a somar aos 25% que já pagámos em IRC pelos lucros declarados totaliza 53% de extorsão fiscal.

Mas pelo andar da carruagem da extorsão fiscal, um dia eu e o meu sócio iremos perder a paciência. Já não se aguenta.

Tiago Mestre

5 comentários:

Anónimo disse...

Défice zero? Para lá chegarmos teremos todos de ser "roubados" pelo estado. E quanto antes melhor, assim estaremos mais perto de sair do "buraco", mesmo que ainda vá durar um bom tempo....

Aliás esta filosofia é a sua Tiago, leio-a constantemente aqui no seu blog.

cumprimentos

Filipe Silva disse...


O deficit zero pode ser atingido sem o recurso ao aumento dos impostos e até levando a uma diminuição dos mesmos.

Os que hoje da esquerda se insurgem contra o aumento de impostos e falam de roubo, gostaria de saber como financiariam as suas politicas.

O Estado se tem deficit é porque cobra menos do que gasta, poderão argumentar mas paga muito de juros, o Tiago demonstrou aqui que em 1996 pagava pouco menos e tinha uma divida muito menor.

O caminho é desmantelar o Estado Social, privatizar o ensino, os hospitais etc... e procurar salvaguardar as pensões porque houve quem comparticipasse para o sistema e agora não tenha outro rendimento.

Em relação ao comportamento que o Tiago fala é um direito do empresário, como vimos em relação à TSU os politicos tem a ideia de que são eles que devem dizer como as pessoas devem gastar o dinheiro.

VÊ o caso que o consumo diminui mais que previsto, o planeamento central tem destas coisas, só em ditadura é que funciona, só com robôs.

Uma pergunta Tiago és a favor ou contra o planeamento central? e és a favor ou contra a democracia moderna?

Manuel Galvão disse...

O essencial do meu comentário é o que digo no parágrafo: "A taxa de IRC para pequenas empresas poderia ser muito menor se a legislação não considerasse custos fiscais aqueles que não contribum diretamente para a formação do custo de produção."

Se a legislação fosse alterada neste sentido o Estado podia arrecadar a mesma quantia com uma taxa de IRC muito menor, pois os empresários a sério como o Tiago continuavam a andar de Ford Fiesta e a reinvestir os lucros, e os empresários do tipo parolo (dos Mercedes), se quizessem continuar a impressionar as meninas lá da terra com o carrão, tinham que o comprar do seu bolso.

Tiago Mestre disse...

Filipe, começo a chegar à conclusão que uma democracia moderna, como apelidas, do tipo, parlamentar, sufrágio, com todos os apelidos, continua bastante distante da nossa cultura. Ou somos nós que não nos aproximamos, ou é o regime quer ceder, ou então são as duas coisas.

Desde que os liberais, em 1824, a quiseram implementar em Portugal, uma espécie de democracia monárquica, com carta constitucional, sufrágio (limitado), parlamento e tudo o mais, só no período da ditadura é que as coisas acalmaram. De resto, é uma tourada permanente.
Os discursos que ouvimos na assembleia são de arrepiar e a trica política domina o espaço mediático. Se formos ler os discursos do Afonso Conta ainda em período de monarquia e já depois na 1ª República, parecem semelhantes ao triste espetáculo que os nossos parlamentares nos proporcionaram... ontem.
Não tenho nada contra estes mecanismos democráticos, aliás, parece-me que a intenção é ótima, mas tá difícil que a coisa funcione.
1. Substitui-la pelo quê? Não sei
2. Substituí-la por nada? Não sei
3. Retornar ao regime monárquico descentralizado que houve em Portugal no século XIII e XIV? antes de nos terem impingido o absolutismo? Talvez. Esta é a tese de Agostinho da Silva, filósofo que me inspira todos os dias.

Planificação centralizada?
Citando o Ministro Gaspar, que citou ontem Bertrand Russell:
Os sábios vivem cheios de dúvidas, enquanto que os ignorantes vivem cheios de certezas!

Manuel, não contar para efeitos fiscais todas as despesas que não entram diretamente na produção parece-me boa na intenção, mas difícil de aplicar.
Ou seja, ao criar mais ramificações na legislação das empresas fará com que os patrões procurem novas "soluções" para contornar essa questão.

Já estou a imaginar o concessionário de BMW's em 2ª mão a passar uma fatura à empresa do Sr. Bigodes dizendo que lhe vendeu uma máquina de "usos gerais".
Estou a especular, obviamente.
Para rato, rato e meio

Legislarmos sobre comportamentos do ser humano é coisa muito complexa porque escapa-nos sempre qualquer coisa

Manuel Galvão disse...

Se o Tiago encontrar uma barata no meio do seu bacalhau à brás, vai ficar indignado e vai rogar pragas à ASAI. Pois é... fiscalizar a activiade de restaurantes também é difícil, embora seja muito necessária para mater a qualidade da alimentação que oferecem entre parametros aceitáveis.

O mesmo se passa com a fuga ao fisco. Não havendo fiscalização adequada entra-se (como estamos) no capítulo do "vale tudo", e os empresários incumpridores só declaram lucros se não puderem de todo fazer sair da empresa, em proveito próprio, a parte de cash-flow que devia ser considerada lucro.

Num país com fiscalidade a sério, tanto o vendedor de máquinas de "usos gerais", como o Bigodes iam passar uns dias à choldra por emissão e utilização de faturas falsas. E não seria muito difícil apanhá-los, pois tinham que estar conluiados com a empresa que faz a manutenção do BMW, ou através do selo do carro etc.

Os países católicos do sul andaram muitos anos a praticar a currupção e o dsenrascanço. Têm-nos na massa do sangue. Basta dizer que, durante séculos era possível lavar "pecados" comprando bulas à igreja!

Não é o liberalismo que vai modificar esta mentalidade, pelo contrário. Quanto menos fiscalização e punição, mais trafulhiçes é de esperar que se façam.

Veja o caso da medida "empresa na hora" que foi instituida no governo anterior por sugestão dos países do Norte; os chicos espertos criam uma empresa "na hora" que enchem de dívidas a empregados e fornecedores. A seguir abrem falência e abrem outra "na hora" reeniciando mais um cíclo de trafulhice. Às vezes até nem mudam de instalações !!!